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há mar em mim

20
Nov17

A Dona Celeste

C.S.

A Dona Celeste passa os dias à janela. Em terra de pescadores ela tem vista privilegiada para a azáfama da vila. 

Tem setenta e quatro anos e é hipocondríaca, mas não sabe. Às vizinhas diz que está sempre pior, que já não passa cá outro Natal. Ao final da tarde entretém-se a ver os homens a preparar os barcos para mais uma lide noturna e madruga todos os dias para os ver chegar com o peixe. Entre uma atividade e outra vai espreitando os namoricos dos mais novos, vai controlando a quantidade de vezes que as vizinhas saem de casa e vai vendo quem entra e sai do café da esquina. Sabe de cor os que não resistem ao chamamento do álcool, os que só vão comprar tabaco e os que não se perdem em vícios. 

Lava a roupa à sexta-feira, na máquina que o filho lhe comprou no aniversário passado, mas tem sempre algum pano para esfregar no tanque do seu quintalinho.

Às terças-feiras, de quinze em quinze dias, vai sempre visitar a sua médica de família, que lhe diz, de todas as vezes, que ela tem uma saúde de ferro. "Parece que gosta de gozar com a desgraça alheia" - pensa sempre a dona Celeste quando deixa o gabinete da médica - "Um dia hei de morrer e há de arrepender-se dessas palavras", completa o pensamento. 

Há muitos anos que é viúva. O marido foi engolido pelo mar quando Celeste tinha trinta anos e o seu filho cinco. Teve de criá-lo sozinha. Dedicou-se à costura, oficio que a mãe lhe ensinou quando Celeste não querida saber de agulhas, mas sim de namorados. 

Nunca teve uma vida feliz, mas sim conformada. Nunca saiu do seu distrito. O mundo que conhece é o da sua vila. A vida foi passando num piscar de olhos e Celeste nunca teve grandes ambições, mesmo para o seu filho. Nunca lhe incutiu um espírito aventureiro e não o deixou ir estudar para fora da sua capital de distrito. Conseguiu-o fazendo alguma chantagem emocional com o moço, que sempre foi bastante dependente da mãe. Mas pagou-lhe os estudos, com esforço e horas de trabalho extra viu o filho formar-se em economia. 

Hoje, ao jantar, Dona Celeste irá receber uma notícia que aquecerá o seu coração. Vai descobrir a alegria da palavra avó. 

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