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há mar em mim

07
Fev17

O Sr. Sebastião

C.S.

 

Sebastião sempre foi um homem atarracado, pouco amigo de partilhar os seus sentimentos e nunca gostou de longas conversas, apesar da sua profissão. Vendia no mercado da sua cidadezita os legumes e frutas que cultivava. Gostava dos clientes que respeitavam as suas poucas falas, porque o que fazia Sebastião realmente feliz sempre foi o contacto com a terra e os animais. Achava que a maioria das pessoas era mal intencionada. Ele bem via as notícias da televisão anunciarem cada vez mais o declínio da espécie humana.

Ele, Sebastião Gama, só se apaixonou uma vez. E que paixão! Teria dado a volta ao mundo por ela, se lho tivesse pedido, tinha certeza absoluta disso. Mas ela preferiu divertir-se com ele enquanto preparava o casamento com o moço endinheirado aprovado pelos seus pais. Fê-lo acreditar que sentia o mesmo que ele, que fugiriam juntos naquela madrugada de março. Mas ela nunca apareceu à hora combinada. Nem passadas duas, três, quatro... Apareceu dois dias depois para lhe dizer que era impossível ficarem juntos. Que o amava, que nunca o esqueceria, mas que tinha de respeitar a decisão dos seus pais e casar com quem lhe estava destinado. Sebastião ficou imóvel, junto à ribeira, a vê-la desaparecer da sua vida. Sofreu, teve vontade de fazer-se evaporar, como acontece à água do seu tanque nos dias de muito calor, todavia não o fez.

Tornou-se mais sisudo, a sua pele enrugou-se e nunca mais teve vontade de sorrir. Nunca mais proferiu o nome dela, mas nunca a esqueceu. Às vezes ao deitar, quando fecha os olhos, ainda vê aquele rosto perfeito de vinte anos, mas obriga-se a abrir imediatamente os olhos, porque aquela visão ainda o magoa como naquele dia gélido de março.

Sebastião Gama fazia hoje 79 anos, se tivesse acordado. Faleceu durante o sono, como viveu toda a vida, só, na sua cidadezita de onde nunca saiu, exceto para ir à tropa.

O Sr. Sebastião, que quase nada tinha para contar, só será encontrado passados quatro dias, quando o vizinho do lado se decidir a ir procurá-lo, estranhando a ausência dos seus legumes e frutos frescos no mercado.

 

Imagem retirada daqui.

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