C.S.
A Sara trabalha das nove às cinco. É funcionária pública há mais de oito anos, mas ainda não viu qualquer vantagem nisso. Leva comida de casa, que come sozinha na hora e meia que tem de almoço, e a sua grande extravagância é o café e o pastel de nata que consome na pastelaria situada três portas abaixo do seu local de trabalho.
Trabalha sentada e, às vezes, incham-lhe os pés. Tem pressa em chegar ao metro, mas não tem pressa em chegar a casa. Gosta de observar as pessoas no metro, imagina-lhes as vidas e sorri-lhes de vez em quando.
A Sara casou há cinco anos e divorciou-se há três. Queria filhos e ele queria liberdade. Queria um amor que fosse também um amigo e ele queria uma mulher que fosse também empregada. Um dia a Sara perguntou-lhe se ele era feliz. Ele riu alarvemente e disse: "Ainda bem que concordas que isto não está a funcionar, já arranjei casa do outro lado da cidade e já coloquei esta à venda".
A Sara emudeceu. Arrumou a sua vida em caixas e mudou-se para o estúdio onde hoje ainda vive sozinha. O estúdio que o seu dinheiro lhe permite pagar. Pequeno e escuro, mas ao qual ela já se habituou.
A única e maior viagem que fez foi à Madeira, na sua lua de mel, quando acreditava que tudo era possível e ele lhe prometia este mundo e o outro.
Hoje a Sara é mais realista. Já não vai em conversas e deixou de acreditar no amor. Compara muitas vezes a sua vida ao deserto que lhe é homónimo. Tem três sobrinhos e é madrinha de um deles, adora-os, mas o amor que sente por eles dói-lhe, porque a fazem relembrar da família que não foi capaz de construir.
Se a Sara tivesse coragem faria as malas e mudar-se-ia para o outro lado do mundo, mas quando pensa nisso as suas pernas tremem e afasta esse pensamento enquanto beberica um copo de vinho tinto.
A tia Sara descobrirá o amor depois dos 50, mas não conseguirá apagar a mágoa de não ter tido filhos.
(Imagem aqui.)