C.S.
A Dona Guiomar tem oitenta anos, mas ninguém lhe dá mais de sessenta e se não fosse a ciática, que às vezes a obriga a ficar mais tempo em casa, continuaria a fazer as suas longas caminhadas junto ao rio.
Não lhe custou envelhecer, após fazer vinte e cinco anos nunca mais se preocupou com a idade e diz muitas vezes, em tom de brincadeira, que esse é o seu segredo para a juventude eterna. Amadureceu sem se preocupar com o que o tempo lhe faria e talvez essa confiança que lhe depositou tenha sido o segredo para que ele tenha sido generoso com ela.
Só teve o primeiro cabelo branco perto dos quarenta e as rugas nunca a marcaram antes dos trinta e cinco, sem contar com aquela de expressão que tinha cravada na testa, julgava que desde sempre.
Jamais se privou de rir ou chorar, sempre foi uma mulher de emoções fortes, e com quatro filhos orgulha-se de que tenha tido mais motivos para rir.
O maior desgosto da sua vida foi a perda do marido, quando tinha setenta e cinco anos. O coração dele não aguentou e o dela andou perdido durante largos meses. Afinal, ele fora o amor da sua vida. Mas nunca foi mulher de se entregar à dor e sempre achou que as depressões eram uma perda de tempo e, eventualmente, acabou por sarar a ferida, que continua em crosta, mas que pelo menos já não está exposta.
Foi a neta Inês que, sem saber, a ajudou a sair do buraco para o qual parecia caminhar, ao vir um dia a sua casa e pedir-lhe fotos antigas para um qualquer trabalho da escola.
Havia muito tempo que Guiomar não se cruzava com aquelas fotos, hoje em dia estavam todos guardadas nos telemóveis, onde ficavam até ser necessário exibir a algum amigo a nova proeza na cozinha ou as perícias futebolísticas dos netos.
Guiomar sempre adorou ver fotografias e encontrar-se de novo com o seu passado feliz devolveu-lhe novo alento. No seu íntimo sabia que a característica que o marido sempre mais admirara em si era o seu otimismo e, naquela tarde, garantiu a si mesma que não se deixaria vencer facilmente. Arranjou-se e saiu para ir à sua cabeleireira de sempre, que ficou muito contente por a ver novamente e lhe tratou do cabelo com todo o cuidado do mundo. Depois ligou aos filhos e pediu-lhes que viessem todos jantar a sua casa naquela noite.
Foi um serão muito agradável e Guiomar disse-lhes que estava grata por poder permanecer mais uns tempos com eles. Abriu-lhes o coração e falou-lhes do pai e de como ele a tinha feito feliz a vida inteira.
Aquela noite acabou por ser uma das mais agradáveis que passaram juntos, nos últimos tempos, riram e choraram e deixaram-se embalar pelas palavras daquela mulher que transparecia ternura em todos os seus gestos.
Os filhos de Guiomar sentiram-se inspirados e, cada um à sua maneira, naquela noite agradeceram os pais e a vida que tinham e desejaram que a mãe pudesse ser eterna.
(Imagem aqui)