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há mar em mim

20
Dez22

Reflexão sobre a Manifestação de sábado

C.S.

Já passaram dias suficientes para deixar as ideias assentar. Sei que não me vou exceder, ainda que possa parecer. 

Dou aulas desde 2008. O dia 17/12/2022 foi o dia em que me senti mais orgulhosa por pertencer à classe docente. Vi união, determinação e alegria, apesar do tema que nos juntou no Marquês ser sério. Vi esperança, apesar de há anos sucessivos só nos fecharem portas. Vi garra. E vi uma causa que é comum a todos servir-nos de motor: a defesa da escola pública. 

Os professores são dos profissionais mais mal tratados na função pública e, no entanto, sem eles um estado democrático não tem futuro. 

Acredito verdadeiramente que o Sr. Ministro, João Costa, está a colocar em causa o futuro da educação acessível a todos, porque deixar que a política entre deliberada e livremente nas escolas é condenar a igualdade. É colocar em causa a equidade na coloação de professores e, ao mesmo tempo, na gestão de alunos. 

Os professores estão a desaparecer porque são uma classe envelhecida e pouco atrativa, uma vez que ninguém quer trabalhar com a incerteza que esta profissão acarreta nos primeiros anos, (no meu caso foram 10, mas há quem seja contratado 15, 20...), nem com a certeza que nunca conseguirá chegar ao topo da carreira. E provavelmente nem a meio... Com os entraves que as quotas e os 5.º e 7.º escalões representam. 

Os professores são dos profissionais mais mal tratados deste país, todavia, continuam a ser das pessoas mais disponíveis, voluntariosas e empáticas que por cá temos. 

Esta greve chegou no momento certo. Um momento de saturação. Não aguentamos mais. E por isso tem sido um sucesso. É este o nosso tempo. Nem mais, nem menos. É hora de dizer basta. É hora de reinvindicar. Porque não somos nós que mentimos. Porque nos indigna ter um ministro que não só não nos valoriza como nos tenta denegrir junto da opinião pública.

E não, isto não é uma guerra de sindicatos. Isto é uma luta de professores. Dos que cá estão e querem permanecer. Mas com aquilo a que temos direito. 

Tem havido criatividade nesta greve, foi crescendo à medida que os meios de comunicação tradicionais nos ignoravam. Até que não puderam ignorar mais. 

Sábado fomos cerca de 25000 a dizer que basta. Já chega. 

Somos professores e temos valor. 

Somos professores e queremos respeito. 

Somos professores e temos razão. 

Por isso, não. Não nos calarão. 

Que venha janeiro. 

Temos razão.

E resistiremos. 

Janeiro é nosso. 

(Imagem aqui)

05
Set22

Uma espécie de Carta Aberta ao Ministro da Educação e a Todos os Sindicatos de Professores

C.S.

Tenho 35 anos, quase 36 e sou professora desde 2008. Escrevo esta carta aberta movida pelo cansaço. Sim, estou cansada depois de um mês de férias. Estou cansada, tal como tantos dos meus colegas espalhados pelas escolas do país. Estou cansada de um governo que não respeita minimamente os professores. E estou cansada dos sindicatos também. É esta a dura verdade. Porque neste momento sentimo-nos sós e sentimos que ninguém nos representa. Somos tantos e parece que ninguém compreende a nossa situação. Não é triste? Sentir solidão numa das profissões que lida com mais gente. Triste paradoxo. 

Não é triste ter que iniciar mais um ano letivo com um sentimento de derrota? Não é triste querer fazer algo, o que for, mas constatar que todos nos queixamos mas ninguém se levanta. Porque achamos que não servirá de nada, dizemos. Repetimos. Enquanto tomamos mais um café amargo e engolimos as mágoas e o orgulho.  

Sabem como cheguei aqui? Como cheguei ao ponto de vos escrever estas linhas? Vou-vos contar. Porque todos os anos, em todas as escolas por onde já andei, sei de mais um professor que sucumbiu à depressão. Coitado, dizemos. Enquanto vamos pensando quando chegará a nossa vez. 

Cheguei aqui porque os concursos de professores são esgotantes e injustos. Tremendamente injustos. Com mudanças das regras todos os anos, não havendo um mínimo de respeito pelas vidas das pessoas. Com ultrapassagens que geram discórdia. (Supostamente temos concursos de 4 em 4 anos, mas as leis mudam anualmente. Que lógica é esta?). 

Cheguei aqui porque atravessámos uma pandemia, custeando do nosso bolso as aulas em casa, fazendo tudo o que estava ao nosso alcance para que os nossos alunos passassem por ela o menos lesados possível. 

Cheguei aqui porque cada vez me pedem mais. Mais papéis. Mais reuniões. Mais formações. Mais formas de diversificar as aulas. Mais, mais, mais... Sem querer saber como. Como é que o conseguimos fazer? Já pensaram? Claro que é em detrimento da nossa vida pessoal e dos nossos interesses. Anulamo-nos para fazer acontecer. Anulamo-nos para que as escolas não parem. 

Cheguei aqui porque a inflação continua a sua escalada e os salários não aumentam. Mas temos de continuar a atestar o depósito para ir trabalhar longe de casa com um sorriso no rosto. 

Cheguei aqui porque gostar dos alunos não chega. Gostar de ensinar não chega. Ser bom comunicador não chega. E sabem porque não chega? Porque a despensa de casa não se enche com sorrisos e abraços. 

E já chega da conversa de que os professores são missionários. Não são. Os professores são pessoas normais, com problemas reais, salários que não pagam o seu trabalho e estão tremendamente cansados e descontentes. E só não sabem como demonstrá-lo. 

 

escola-2.png

(Imagem aqui)

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