C.S.
O que queres fazer?
É terrível esta pergunta.
Assustou-me no 9º ano, quando eu tinha 14 anos e tive de tomar uma decisão para o futuro. Na altura eu sabia duas coisas: que queria que o Benfica fosse sempre campeão e que as únicas aulas que me entusiasmavam verdadeiramente eram as de Português. Dessem-me textos para ler e temas para escrever e eu era uma adolescente feliz.
Fantasiava com o amor. Era romântica e nostálgica e sonhava com uma vida melhor. Os livros eram o meu aeroporto, numa altura em que eu ainda não fazia a mínima ideia do aspeto de um. Ninguém me ajudou na decisão, naquele ano de 2001. Porquê? Porque na minha família impera a baixa escolaridade, (os meus avós, maternos e paternos, foram toda a vida analfabetos, por exemplo.), e a minha mãe ouvia-me mas, compreendo hoje, não estava minimamente dentro do sistema de ensino e não tínhamos consciência lá em casa do peso da decisão que eu ia tomar. Sorte a minha, nunca poderia ter sido outra. As humanidades eram o que me apaixonava e os testes psicotécnicos evidenciaram isso mesmo.
Fiz o secundário com poucos percalços, mas um deles foi compreender tardiamente que as notas do secundário seriam o meu bilhete de acesso ao ensino superior. Por esta altura comecei a achar que queria uma vida de jornalista, (como não desejar ganhar a vida a escrever?!), ao mesmo tempo em que me rendia à fotografia, ainda que não tivesse qualquer equipamento, fascinava-me o facto de poder conservar para sempre um instante.
Sonhava em viver perto do mar ou mudar-me para o Porto com a minha melhor amiga, onde dividiríamos casa e seriamos universitárias empenhadas.
Acontece que nada disto aconteceu.
Por um infeliz acaso eu fiquei mais um ano na secundária e os meus amigos foram às suas vidas. A minha melhor amiga não foi para o Porto, nem para Lisboa, que era a sua segunda opção. Ficou em Évora. E eu?
Eu senti-me meio abandonada durante uns tempos. Depois arregacei as mangas e fiz o que tinha a fazer. Trabalhei durante o verão. Fiz 18 anos e recebi o meu primeiro ordenado no mesmo dia. Entrei no 12º outra vez. Nunca tinha repetido um ano e foi estraníssimo. Saí do grupo de teatro porque já não era a mesma coisa, pois faltavam-me as minhas pessoas, mas melhorei algumas notas e concluí a que havia para concluir. Tirei a carta. E fui pensando no futuro. A professora de Português dizia-me para ler Cartas a Um Jovem Poeta, de Rilke, com o intuito de me inspirar, enquanto a professora de Psicologia me falava de um novo curso na Universidade do Algarve. Também me disse que a língua espanhola era a próxima língua a entrar em força nas escolas.
E eu ponderava. Ponderei até ao último momento. Até não poder mais mesmo. E sem certezas de nada, sem exemplos próximos, tive medo de colocar os meus pais numa situação económica delicada e decidi-me pelo curso que me daria a oportunidade de ficar em casa - Línguas, Literaturas e Culturas - Estudos Portugueses e Espanhóis.
Nunca sonhei ser professora, mas foi no que me tornei. A minha profissão já me deu muitos momentos felizes. E no entanto, não sei se é o que quero ser a vida toda. E este assunto é como uma dorzinha chata. Não mata, mas mói.
Talvez seja só o cansaço a falar. Talvez estas palavras sejam motivadas pela quantidade insana de trabalho que tenho enfrentado ultimamente, (este ano tenho mais de 150 alunos!), mas a verdade é que estou cansada. A segunda verdade é que ainda existe em mim o sonho infantil de viver de e para as palavras. O que é uma grande idiotice, eu sei. E sim, sei como é difícil arranjar emprego hoje em dia e sei que não tenho experiência em mais nada que valha a pena para além do ensino. Eu sei tudo isso. E contudo...
O que queres fazer?
Ainda é uma pergunta que me assusta.
(Imagem aqui)